Em 18 de abril (sexta-feira), estreia na Itaú Cultural Play – plataforma de streaming gratuita de cinema brasileiro – a série documental Futuro da Terra, que explora diferentes aspectos da cultura dos povos originários brasileiros de vários estados do país. Realizada pelo Itaú Cultural, Futuro da Terra é uma das primeiras séries dirigidas por uma pessoa indígena, Alberto Alvares, cineasta da etnia Guarani Nhandewa e um dos principais nomes do cinema indígena do Brasil. Ele compartilha a direção com o jornalista Claudiney Ferreira.
Na plataforma, os espectadores podem assistir à primeira temporada, com três episódios. Gravados no Distrito Federal, em Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais, os capítulos têm depoimentos de líderes indígenas como Ailton Krenak, Cacique Raoni Metuktire, Daniel Munduruku, Célia Xakriabá, Olinda Tupinambá, Denilson Baniwa, entre outras lideranças.
O lançamento de Futuro da Terra acontece em sinergia com o Dia da Terra, comemorado em 22 de abril. A produção-executiva é da Filmes de Quintal, associação responsável, entre outras ações, pelo forumdoc.bh – Festival do Filme Documentário e Etnográfico, Fórum de Antropologia e Cinema, importante festival do gênero.
O acesso à Itaú Cultural Play é gratuito, disponível em www.itauculturalplay.com.br, nas smart TVs da Samsung, LG e Apple TV, nos aplicativos para dispositivos móveis (Android e iOS) e Chromecast.
Sobre a série
Hoje, o Brasil soma mais de 305 etnias indígenas, falantes de cerca de 270 diferentes línguas. Apesar de numerosos, estes povos ainda são pouco conhecidos e compreendidos na sociedade brasileira. Em depoimento ao primeiro episódio, Ailton Krenak ressalta: “Se fôssemos contar que os povos nativos são todos ‘índios’, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a Unesco e a Organização Mundial da Saúde (OMS), nós seríamos uma população estimada de 400 milhões de pessoas, espalhadas pelo mundo. Talvez isso seja uma garantia para a gente continuar vivendo. Não estamos mais enclausurados em um lugar, aonde alguém pode ir e nos aniquilar. Estamos no mundo”.
Nesse contexto, Futuro da Terra pretende ser uma ponte entre a cultura, os costumes e as cosmologias dessa riqueza humana e os não-indígenas. Para isso, dentro de um recorte temático, cada episódio cruza os pontos de vista e as vivências de vários povos, moradores de locais distintos, mostrando suas semelhanças e divergências no modo de pensar e sentir o mundo.
“O futuro da Terra não tem como ser separado das nossas histórias. Um dos objetivos centrais da Itaú Cultural Play é justamente mostrar os muitos modos de ser, ver e sentir as diferentes histórias de cada um e imaginar outros mundos que possam continuar sendo possíveis”, diz André Furtado, gerente do núcleo de Criação e Plataformas do Itaú Cultural. “A necessária série Futuro da Terra se une, agora, a outros filmes e documentários do nosso catálogo que ecoam territórios e povos diversos, lembrando que contar histórias é também uma forma de cuidar da Terra”, conclui.
Além das estreias frequentes, a IC Play possui duas coleções permanentes dedicadas ao tema, Um outro olhar: cineastas indígenas e Sob o olhar delas: novas perspectivas do cinema indígena, que traz títulos recentes dirigidos por mulheres.
Outro destaque de Futuro da Terra é que todas as entrevistas são feitas somente com pessoas indígenas, boa parte delas nas línguas originais de cada etnia. A produção também dá voz às lideranças femininas, como Jerá Poty Mirim, moradora da Terra Indígena Tenondé Porã, na capital paulista, e a deputada federal Célia Xakriabá.
“Futuro da Terra nasce como uma urgência para mim, para o meu povo e para outros povos indígenas brasileiros. É uma forma de salvaguardar nossas memórias”, diz Alberto Alvares. “Muitos filmes e séries sobre povos indígenas tratam de apenas uma etnia. Nesta série, cada episódio traz histórias e depoimentos de vários povos”, completa Claudiney Ferreira, roteirista e parceiro de Alvares na direção.
Alvares também assina a direção de fotografia e a série conta com desenhos exclusivos do artista visual Wapichana Gustavo Caboco, um dos nomes mais representativos da arte indígena contemporânea – o catálogo da IC Play oferece uma animação dirigida por Caboco, Kanau’kyba (Roraima, 2021).
A primeira temporada foi gravada no Acampamento Terra Livre, no Distrito Federal, e em território Guarani, em São Paulo; Xingu, no Mato Grosso; e Krenak e Maxacali, em Minas Gerais. O primeiro episódio, Território, retrata justamente a noção de território entre esses povos, que ultrapassa o simples conceito de espaço físico, englobando a relação com corpo, língua e diversidade étnica.
“No estado de São Paulo, por exemplo, nós gravamos em aldeias diferentes, mas habitadas pelas mesmas etnias, caso dos Guarani. É impressionante ver como o conceito de território muda de acordo com o local onde o povo está, do quão próximo está do meio urbano”, conta Júnia Torres, diretora de produção e uma das idealizadoras de Futuro da Terra.
Para o cineasta Takumã Kuikuro, morador da aldeia Ipatse, no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, por exemplo, a terra pertence a todos os humanos, indígenas ou não. “Nós não pensamos em mercadoria como os não-indígenas, que disputam a terra. Não transformamos a terra, a água e os peixes em dinheiro, mas sim em sustento da vida, para todo mundo”, diz em entrevista, no episódio.
Perspectivas sustentáveis
Tanto o segundo quanto o terceiro episódio abordam um tema que, segundo Júnia, se impôs durante as gravações e a captação de material: a sustentabilidade. O segundo, intitulado Revivências da mãe-terra, retrata, principalmente, as iniciativas de preservação e recuperação ambiental dos povos originários, como o projeto de reflorestamento em aldeias Maxacali, em Minas Gerais, além da restauração de sementes e abelhas nativas pelos Guaranis. De acordo com ela, esses dois povos são os únicos do Sudeste que ainda falam sua língua originária.
Terra e corpo, natureza e espiritualidade, o terceiro episódio, por sua vez, debate a sustentabilidade de um modo mais amplo, aludindo às noções de manutenção do corpo, da alimentação, das culturas e tradições, da língua e da espiritualidade.
Esse episódio guarda uma das cenas mais emocionantes da série: o momento em que Vitorino, pajé de uma aldeia Maxacali, que é cercada por fazendas, lamenta o incêndio criminoso que varre a floresta próxima. “Naquele momento, enquanto olhávamos a mata devastada pelo fogo, ele não demonstrava, mas estava chorando por dentro. Para os Maxacali, não era apenas uma terra sendo queimada, era um corpo”, lembra Alvares.