O estilista Maurício Duarte, do povo indígena Kaixana, natural da região amazônica, apresentou sua primeira coleção presencial durante a 55ª edição da São Paulo Fashion Week (SPFW) no final de maio. Durante o evento, ele trouxe à maior semana de moda da América Latina a coleção intitulada “Tramas”, inspirada na elaboração das cestarias indígenas, que representam um importante patrimônio cultural dos povos originários do Amazonas.
Para Maurício, a coleção “Tramas” marca o início de uma nova etapa nos desfiles presenciais, destacando a força e a essência do Norte do Brasil. Ele acredita que ao abordar a ancestralidade e transformar as cestarias em artigos de luxo e riqueza, em vez de meros utensílios de colheita, é possível despertar o olhar das pessoas para a riqueza das fibras e tecidos artesanais presentes em sua região. Ele ressalta a importância das manualidades e da representatividade dos povos indígenas na equipe de produção, modelos e comunicação, enfatizando a união e a propriedade em relação ao lugar de origem.
A coleção foi resultado de um trabalho conjunto, contando com a participação de mais de 18 povos indígenas. Maurício destaca a importância dessas comunidades não apenas na produção das peças, mas também nos bastidores e na representação desse espaço. Ele destaca que esses povos entenderam a relevância de estarem unidos nesse momento, transmitindo os valores culturais e questionamentos por meio da moda.
As peças da coleção foram inspiradas principalmente nas formas geométricas presentes nos cestos e balaios indígenas, com formatos cilíndricos e circulares. Essas formas remetem às memórias afetivas da infância do designer. As matérias-primas principais utilizadas na confecção dos acessórios e roupas são as fibras de arumã e tucum, amplamente utilizadas nas comunidades tradicionais para a produção de utensílios domésticos e decoração.
A abordagem da coleção combina a alfaiataria moderna com tecidos fornecidos pela Vicunha Têxtil, sendo o algodão 100% o destaque principal. Além disso, foram utilizados tecidos que mesclam algodão e juta, fornecidos pela Textilfio, para conferir maior fluidez às peças de malharia. Durante o processo de confecção artesanal, a fibra de arumã é utilizada para dar estrutura às peças, como faixas para acompanhar as chemises, acessórios de cabeça e saias com corsets, que são os destaques da apresentação. Já a fibra de tucum, que possui maior flexibilidade e semelhança com renda, é utilizada tanto de forma natural quanto na forma de fios encerados com breu branco.
Todo o processo de confecção é realizado manualmente, e Maurício realizou duas viagens ao Amazonas para concretizá-lo. Durante essas viagens, ele visitou São Gabriel da Cachoeira, município que abriga a maior quantidade de povos indígenas no estado do Amazonas.
O desfile também foi marcado por um protesto contra o Marco Temporal das terras indígenas. Maurício destaca que não poderia subir à passarela sem abordar esse tema. Durante a produção da coleção, muitas pessoas envolvidas no processo e na logística do desfile se opuseram ao que estava ocorrendo e não poderiam se omitir nesse momento, pois era necessário falar sobre uma proposta de lei que ameaça o espaço indígena e desrespeita suas raízes. Encerrar o desfile com um protesto é o mínimo que eles podem fazer, considerando todos os espaços que têm ocupado e continuarão ocupando.
Durante um jantar beneficente em São Paulo, a renomada chef de cozinha e empresária Paola Carosella vestiu uma das peças da coleção de Maurício. Para o designer, foi uma oportunidade incrível ver Paola usando suas criações em um evento tão especial, que representou não apenas a gastronomia afetiva defendida pela chef, mas também um momento de conscientização sobre a Proposta de Lei 490 e a necessidade de se posicionar em relação às demarcações de terras e à situação política enfrentada pelos povos indígenas. Ele acredita que esse vínculo com Paola durante esse momento foi uma forma de unir arte, moda, música e gastronomia em um grito coletivo.